domingo, 16 de setembro de 2012

A Cassete, ou "quem é que poderia prever esta crise?", ou "é preciso alguém com outras ideias"

1. A nossa crítica ao euro e à marcha acelerada e forçada para o atingir, foi sempre uma contribuição de esquerda para o debate sobre as suas implicações sociais, sobre as consequências para a Europa e para o nosso País e sobre os caminhos da construção europeia.

Sempre defendemos e continuamos a defender uma Europa de paz e cooperação, solidária e dando primazia à dimensão social e à aproximação do nível de desenvolvimento real das economias.

De facto, a postura do PCP quanto à integração europeia tem sido, com toda a clareza, a de procurar com grande empenho minimizar os aspectos negativos, a de dinamizar tudo o que nos parece positivo e a de contribuir, através de propostas e de uma intervenção empenhada, nomeadamente no Parlamento Europeu, para potenciar o poder negocial de Portugal e defender os interesses nacionais.

Foi seguindo estas orientações que sempre nos batemos, com firmeza e coerência, pela concretização, através de políticas, medidas e meios financeiros do princípio da «coesão económica e social», pelo reforço dos fundos estruturais, nomeadamente os dirigidos aos países de economias mais frágeis; para que a coesão social do desenvolvimento e o emprego não fossem figuras de retórica. Sempre nos batemos para que a evolução da economia real e o nível de vida dos portugueses não fossem sacrificados aos critérios de convergência nominal.

Em várias intervenções e declarações chamámos vivamente a atenção para que o cumprimento dos critérios de Maastricht, condição para a participação na moeda única, com a sua lógica neoliberal, iria travar o normal e necessário crescimento económico, necessário para combater o desemprego, e que essa marcha forçada se iria traduzir em mais emprego precário, liquidação de empresas e mais dependência e subcontratação do aparelho produtivo nacional.

Tanto o PSD como o PS jogaram sempre nos factos consumados, recusaram primeiro um referendo sobre Maastricht, e agora sobre a moeda única e foram-se colando às sucessivas e dispendiosas campanhas de propaganda desencadeadas pela pesada máquina da Comissão sobre as virtudes do euro e dos critérios de Maastricht.

Com o sacrifício da nossa agricultura, das nossas pescas e de importantes sectores industriais, e com um crescente número de trabalhadores com vínculos precários e um desemprego estrutural de cerca de meio milhão de trabalhadores, Portugal, à excepção da Suécia, Reino Unido, Grécia e Dinamarca, faz parte dos países que com alguma contabilidade criativa se constituíram em fundadores do euro.

Com os mais baixos salários, com o mais baixo salário mínimo, com as mais baixas reformas e com os mais elevados níveis de pobreza e de concentração da riqueza, Portugal entrou no clube do euro. É uma grande mudança que amarra o País a um banco central sem controlo, criado à imagem e semelhança do banco central alemão e a uma política monetária única.

Face a futuras dificuldades de competitividade das nossas exportações, a tendência e o pretexto serão o de pressionar ainda mais os salários e os despedimentos.


Por isso, aqueles que dogmaticamente e de forma tão absolutizada dizem que a inclusão de Portugal entre os fundadores do euro «corresponde inegavelmente aos interesses nacionais», talvez pudessem afirmar com mais verdade: que corresponde inegavelmente aos interesses das transnacionais e do capital financeiro.

E a verdade é que nem os festejos, nem a sua pompa e circunstância conseguiram apagar as contradições desta construção europeia nem a amplitude dos riscos que tem pela frente.

O euro teve um parto difícil, e só quem nestes Conselhos se apresenta habitualmente numa posição de aluno bem comportado, é que pode estranhar os «egoísmos nacionais» manifestados na maratona negocial para resolver a presidência do BCE.

É por isso que nos parece pouco realista o optimismo e a euforia manifestados pelo Governo e pelo bloco central pró-Maastricht, agora alargado ao PP, sem se ter em conta os alertas manifestados pelos analistas e economistas de diversos quadrantes, nomeadamente no domínio da democracia e do social.

2. A cooperação estreita e mutuamente vantajosa entre as nações europeias na base da igualdade, do respeito mútuo, da coesão económica e social, da partilha de conhecimentos, saberes, financiamentos e poderes é uma resposta progressista ao processo objectivo da integração europeia.

Devemos recordar que todos os passos visando a União Económica e Monetária — Acto Único, Tratado de Maastricht, Tratado de Amesterdão, ... — foram apresentados aos povos como actos visando a criação de emprego. Mas a realidade o que nos mostra é que o desemprego tem aumentado e se têm acentuado as desigualdades sociais.

A União Europeia dos milhões de desempregados, das dezenas de milhões de pobres e da polarização da riqueza deveria dar lugar à Europa do pleno emprego, do progresso social, do diálogo das culturas, da abertura ao mundo, da cooperação e do trabalho em comum pela paz e o desenvolvimento mais harmonioso.

Mas a orientação neoliberal e monetarista da «construção europeia» não vai nesse sentido.

A manter-se este rumo, é com apreensão que vemos o futuro de muitos sectores e importantes empresas da nossa economia. As vantagens anunciadas do euro — quebra de riscos cambiais no interior da «União Europeia» e a eventual descida das taxas de juro, que já não será muita — têm como reverso, tendo em conta as debilidades do nosso aparelho produtivo, os constrangimentos draconianos do Pacto de Estabilidade, do papel do Banco Central Europeu e da perda da soberania nacional sobre a política monetária, com as suas repercussões negativas no desemprego, na desregulamentação laboral, nos salários e nas funções sociais do Estado (segurança social, saúde, ensino, ...). O Presidente do Bundesbank, o director do Observatório Social Europeu, o FMI, entre outros, têm vindo a afirmá-lo com toda a clareza.

3. A decisão de concretizar a entrada de Portugal na União Económica e Monetária (UEM), com a substituição do escudo pelo euro a partir de 2002, embora previsível, reveste-se de uma irrecusável dimensão política para o futuro do País. As suas consequências em todos os planos da nossa vida nacional exigem que o PCP, com a autoridade que lhe advém de ser uma força política nacional e responsável, firmemente determinada na defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses, e em particular dos interesses dos trabalhadores e das camadas mais desfavorecidas, explicite com clareza, neste momento, o seu posicionamento.

Carlos Carvalhas, 4 de Maio de 1998

3 comentários:

jzz disse...

Mas o que faz falta é irem todos à manifestação e depois votar no Centrão.

carla disse...

Pois é...à sempre alguém que vê mais além, mas os 7 Pecados Mortais do Homem falam sempre mais alto!!!

Não percebo porquê é que quando falam num eventual governo de salvação nacional, não incluem o PCP, o BE e todos os partidos com assento na Assembleia. Se é salvação nacional, então todos deveriam contribuir.

Lady*Godiva disse...

Ah pois é, bebé!